Maria Aparecida Rhein Schirato analisa o conceito de novo normal, a busca do ser humano pela normalidade e como encarar o novo da melhor maneira.
Seguindo os esforços conjuntos de toda a Comunidade Insper para mitigar o impacto da Covid-19, estamos publicando uma série de entrevistas com professores, gestores e diretores para abordar ações realizadas pela nossa escola, além de dicas e orientações nas mais diversas áreas para promover o debate público de maneira fundamentada e ajudar a sociedade a superar os desafios deste período
Na entrevista a seguir, Maria Aparecida Rhein Schirato, professora do Insper, analisa o conceito de novo normal, cada vez mais presente em debates relativos a diversas áreas, fala sobre a busca do ser humano pela normalidade e explica como encarar o novo da melhor maneira. Confira:
1) Muito tem se falado sobre um novo normal. Em primeiro lugar, como podemos definir o conceito de normalidade?
Devemos começar por um conceito anterior: o de comum. Que, na verdade, é como um: o que outro tem de mim e que me identifico; e o que eu tenho do outro e que ele se identifica.
A construção de um padrão de comportamento vem desse jogo de identificação, nessa identificação exitosa. Por exemplo, é assim que se criam opiniões, com as pessoas comungando dos mesmos hábitos.
Quando isso é normal? O comum leva ao conceito de normalidade quando aquele padrão estabelecido como um, de todos, de alguma forma garante sobrevivência e proteção àqueles que fazem parte.
Quando a sobrevivência e a proteção ficam ameaçados, já não consideramos algo como normal. Por exemplo: é comum que jovens utilizem substâncias ilícitas. Mas não é normal, pois estão ameaçando suas próprias vidas.
A normalidade, portanto, seria a constituição de um padrão que assegura às pessoas que estão contidas nele uma certa proteção, segurança, continuidade, e, portanto, sobrevivência.
2) E o que viria a ser esse novo normal?
O novo normal, na verdade, seria a proposta de um novo padrão que possa garantir nossa sobrevivência.
Faço um paralelo com a experiência que tive de ter vivido uma parte da minha vida em locais com neve. Para viver em um centro urbano com essa condição climática, você tem um kit neve, composto por gorro, cachecol, luva, bota, capote e lenço de papel. Sem esse kit, você está absolutamente desprotegido e corre sérios riscos de ficar doente.
Esse kit neve dá um pouco de trabalho. Nos primeiros dias, você estranha muito. A tendência é você ficar mais encolhido por causa do frio, ter um certo mal-estar ao entrar em uma loja aquecida ou ao ter que tirar as luvas ao manusear um cartão bancário.
Aos poucos, você se acostuma com o kit. Não por ser agradável, mas por te dar segurança. Rapidamente, neste caso, nós, que vivemos em um país tropical, entramos em um novo normal.
O que está sendo proposto, agora, é um kit Covid. Um kit de segurança. Vamos ter que andar com máscara, mais contidos, menos expansivos, como se estivéssemos no frio. Guardando certa distância, talvez com luvas e, de certa forma, nos primeiros dias, vamos achar tudo muito estranho, mas a garantia da segurança de que não vamos ficar doentes e não transmitiremos doenças fará com que assimilemos esse kit de uma forma indolor.
Ou seja, entraremos em um novo padrão de normalidade. Reforçando, normalidade é o padrão que me garante sobrevivência dentro de um grupo. Logo vamos nos habituar com esse kit Covid e, certamente, sentiremos falta se não o utilizarmos.
3) E por qual ou quais razões há cada vez mais debates sobre esse novo normal?
O que tem de comum nesses debates é a busca da segurança. Estamos na possibilidade de uma segunda onda universal de contágio, com a criação de uma vacina que, no melhor dos cenários, pode acontecer até o final do ano. Temos, ainda, a possibilidade de mutação do vírus, que faria com que essa vacina pensada agora não desse conta de uma possível volta do vírus, já com alguma composição diferente.
Temos ainda algum tempo, não há como prever exatamente quanto, de termos que apostar em um novo modelo de vida.
E também descobrimos algumas vantagens desse novo modelo. Temos alternativa de home office, atualmente, e estamos vendo que funciona – descobrimos que é possível e econômico. Percebemos que não precisamos percorrer grandes distâncias ou enfrentar chuvas torrenciais para fazermos reuniões. Continuamos em casa e fazemos nossa própria comida. O trânsito é menor e temos menos poluição.
Essa discussão sobre o novo normal está mostrando que é possível uma nova forma de viver, com as vantagens de descobrirmos o valor da nossa própria casa, aprendermos a ser mais humildes e que não temos o controle de tudo.
4) Como você vê a busca do ser humano por uma normalidade, tanto neste momento como ao longo de sua história?
O ser humano sempre buscou segurança. É algo instintivo.
Absolutamente normal, ninguém é. Ficamos o tempo todo buscando a normalidade. Ela é muito mais uma busca, algo sempre a ser conquistado, do que uma aquisição.
Nós somos movidos por duas pulsões: de vida e de morte. Quando alguém, insistentemente, manifesta pulsão de morte, como beber e dirigir, uso de drogas, a agir de forma incauta, por exemplo, a gente começa a discutir que normalidade é esta.
Já quando uma pessoa busca recursos para se proteger, salvaguardar a espécie, e de alguma forma manter a saúde, vemos como uma pessoa normal.
Quando buscamos prudência, por exemplo, manifesto de fato minha pulsão de vida: quero cuidar de mim, de quem está comigo. Isso é o que consideramos absolutamente saudável e, portanto, normal.
5) Além do normal, o conceito em questão traz uma palavra que pode gerar ansiedade, ainda mais neste momento. O novo. Por que o novo assusta e como podemos encará-lo da melhor maneira?
O novo, de alguma forma, me desinstala do que já conheço. Com o novo, espero um padrão de vida que não me pertence ainda. O novo vem carregado de necessidade de mudança, e a mudança é algo profundamente traumático e assustador.
Temos que ser muito escrupulosos ao falarmos de mudança, pois se usarmos essa palavra levianamente, as pessoas ficam extremamente ansiosas e inseguras.
Por exemplo, quando uma empresa diz que está em processo de mudança, logo nos perguntamos: será que meu trabalho continua? A ideia de mudança traz, de forma subjacente, uma certa insegurança e uma certa possibilidade de que não seremos incluídos, e temos muito medo da exclusão.
Mas precisamos pensar no kit Covid e no comportamento decorrente dele, que constitui o novo, um novo modelo fundamentado e legitimado pela necessidade de segurança que esse equipamento vai nos trazer. Assim, começamos a lidar com o novo com menos ansiedade.
Vejo isso com bons olhos, pelo menos até que tenhamos uma vacina dentro de uma rotina como há a da H1N1, por exemplo. Até chegarmos nesse momento, vamos ter uma transição de mudança de comportamento que iremos assimilar.
Maria Aparecida Rhein Schirato é Doutora e Mestra pela Universidade de São Paulo, docente do Insper desde 2008, com experiência em Consultoria e Gestão de Conflitos, Modelos de Gestão, Desenvolvimento de Liderança e Treinamentos Comportamentais. É diretora da Rhein-Schirato Consultores Associados há 30 anos. Possui formação em Filosofia, Psicologia e Psicanálise e é autora de livros e artigos ligados à sua área de especialização.
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