Dizer que se está mentalmente exausto virou quase lugar-comum nas conversas entre familiares e amigos nos últimos meses. Já é notório o impacto da pandemia de covid-19 na saúde mental dos brasileiros, mas há de se observar a linha tênue que separa um cansaço que pode ser passageiro de uma enfermidade mais profunda, capaz de se transformar em uma síndrome de burnout, por exemplo. "Sabe essa sensação de se 'sentir vencido', com vontade de sair correndo? A gente ouve bastante no consultório. É quase como se a pessoa estivesse fazendo tudo no piloto automático e anestesiada", explica Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria). "A exaustão mental tem acontecido com bem mais frequência do que as pessoas imaginam. Elas acabam não percebendo e seguem tocando a vida como dá", diz o médico.
Esse é um pouco do retrato do que passa Danielli Pereira, de 33 anos, que vive no bairro da Penha, na capital paulista. Ela acumula dois trabalhos —o de funcionária pública e o de tradutora — e admite não conseguir relaxar a mente de verdade. "Começo o dia até que bem, com a cabeça vazia e vontade de viver. Mas, em uma hora, já estou ansiosa, lidando com várias demandas do trabalho que me esgotam do nada, por mais simples que sejam", conta. "Me sinto superexausta tanto física quanto mentalmente, mesmo fazendo ioga, pilates e terapia. Consegui tirar férias e viajar pertinho, mas nada de me desligar e dar o descanso que eu lembrava que conseguia ter antes", conta. O psiquiatra Guilherme Spadini, mestre em ciências pela USP e professor-convidado também na USP, alerta que existem sinais mais óbvios de fadiga mental. "A falta de memória, a lentidão de raciocínio e a irritabilidade são alguns deles", afirma. "A gente também percebe que quando a mente cansa, há maior dificuldade de manter a disciplina, de fazer coisas que vão contra nosso desejo imediato, como acordar em um horário definido ou se manter numa dieta, por exemplo", explica o médico. Mas Scocca também cita sintomas físicos: "Se a pessoa vive com dores na cabeça, no estômago, no aparelho digestivo ou musculares, por exemplo, ou tem dificuldade para dormir, está com o sono entrecortado e acorda cansada, esses também são sinais importantes".
Cansaço mental gera até cinismo Spadini conta ainda que alguns estudos feitos a partir de episódios de burnout já relacionaram o cinismo —ou o fato de se manter uma atitude mais cínica diante de acontecimentos cotidianos — com a exaustão mental. "A mente fatigada tem uma tendência a diminuir o valor das coisas de uma forma difusa. Então, ao invés de focar em resolver algum problema ou dificuldade, a gente passa a sentir como se tudo à nossa volta estivesse chato e sem valor", conta. Soma-se a isso o fato de as privações de mobilidade e de convívio social causadas pela covid-19 ajudarem, sim, a aprofundar o cansaço mental. Isso porque, segundo explica Spadini, todo o processo para enfrentar a atual realidade fora de casa é um passo a mais de carga mental para se lidar todos os dias. "É necessário colocar máscara, manter distância, enfim, todos os cuidados extras que, mesmo transformados em rotina, exigem esforço do cérebro. Somados às tarefas diárias e à estafa causada pela pandemia, eles também contribuem para que a gente sinta mais os efeitos deste cansaço", diz ele. "Muitas das atividades que não podem ser feitas hoje eram formas de recarregar as energias. O que descansa mais a mente, de modo geral, é estar com pessoas, com amigos, ter contato físico, carinho. A perda disso contribui demais para a estafa", continua o médico, que é especialista em bem-estar emocional e ministra um curso sobre o tema na School of Life São Paulo
Como recuperar a mente Scocca defende o combo atividade física, boas noites de sono e alimentação regrada. A união desses três elementos funciona para ajudar o cérebro a se recuperar mais rápido quando está desgastado ou para fazê-lo aguentar momentos de pressão como os de agora. "O exercício físico é uma das práticas mais importantes para cuidar da fadiga mental'', diz Scocca. "Após os 15 primeiros minutos de atividade física já é possível se sentir muito melhor". O mesmo vale para dormir bem. "Um período bom de sono para um adulto jovem é dormir de sete a oito horas, todas as noites. Há pessoas que precisam mais, outras menos, mas essa é a média para se acordar bem", reforça ele Ler, cozinhar, jogar, conversar e fazer qualquer outra coisa ainda são práticas que podem ajudar a salvar o cérebro do cansaço. Por último, o psiquiatra explica que exercícios de pensamento são essenciais para se compreender os motivos desse cansaço extremo. "É importante não internalizar a queda de rendimento, a procrastinação e até o burnout. Tenho pacientes que se sentem culpados. Devemos perceber que está muito difícil para todo mundo, essa é a regra agora. Não transforme a fadiga mental que você está tendo em uma falha sua. Esse pensamento de culpa faz muito mal para a pessoa", finaliza o especialista. "Manter a nossa saúde mental e o autocuidado deveria ser prioridade para todos nós”.
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